Fundamentação Jurídica para Ação de Repetição de ITBI Pago Indevidamente
O Momento do Processo Administrativo no Lançamento do ITBI: Quando o Município Pode Questionar o Valor Declarado?
Por Thiago Alves Pires – Advogado (OAB/SP 406.256)
Resumo
Este estudo trata das ações de recuperação do ITBI pago indevidamente, quando o imposto é calculado com base no valor venal de referência, e não no valor declarado na escritura. O foco é analisar se o município pode justificar esse valor apenas após o pagamento, ou se é obrigatória a instauração de processo administrativo prévio, conforme exige o artigo 148 do CTN.
Introdução
É comum que municípios, no momento da lavratura de escrituras públicas de compra e venda de imóveis, utilizem como base de cálculo do ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis) um valor superior ao declarado pelas partes, adotando unilateralmente valores de referência. Esse procedimento tem gerado inúmeras controvérsias judiciais, sobretudo quando não é precedido de processo administrativo que assegure ao contribuinte o contraditório e a ampla defesa.
Mas afinal: o município pode justificar a majoração da base de cálculo apenas após o recolhimento do ITBI? Ou a lei exige um processo administrativo prévio para afastar a presunção de veracidade do valor declarado?
A Presunção do Valor Declarado e o Artigo 148 do CTN
O artigo 148 do Código Tributário Nacional dispõe que:
“Quando a lei atribuir ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, o lançamento por homologação poderá ser revisto de ofício quando se comprovar fraude, dolo ou simulação, ou quando se apurar que o valor recolhido é inferior ao devido.”
Por esse dispositivo, o valor declarado pelo contribuinte, ao recolher o ITBI, goza de presunção de veracidade. O fisco somente poderá afastá-la mediante regular instauração de processo administrativo, no qual o contribuinte seja chamado a se manifestar.
A jurisprudência tem sido clara: não basta a existência de um valor de referência fixado pela Fazenda Pública. Para que esse valor prevaleça, é necessário abrir procedimento administrativo individualizado, antes do lançamento de ofício ou da homologação do recolhimento.
O Entendimento do STJ: Tema Repetitivo 1.113
Em julgamento representativo de controvérsia (Tema 1.113), o Superior Tribunal de Justiça firmou a seguinte tese:
“O valor de mercado do imóvel deve ser apurado por meio de processo administrativo próprio, garantindo-se o contraditório, sendo indevido o uso de valor de referência de forma automática pelo Fisco.”
Isso significa que o fisco não pode presumir que o valor de mercado é maior que o declarado e simplesmente aplicar uma base maior de cálculo, a menos que instaure processo prévio. A ausência desse procedimento torna o lançamento indevido, abrindo espaço para ações de repetição de indébito.
O Problema do Procedimento Posterior
Em muitos casos — como o que motivou este artigo — o município tenta regularizar a ausência de processo prévio após o ajuizamento da ação, instaurando procedimento administrativo para justificar a base de cálculo adotada. Essa conduta, no entanto, fere os princípios da legalidade e do devido processo legal, pois tenta “convalidar” um ato fiscal com vício de origem.
A jurisprudência tem rejeitado essa prática, reafirmando que o procedimento administrativo deve ser anterior ao lançamento ou à homologação. Uma apuração tardia não tem o condão de legitimar o que nasceu inválido.
Conclusão
A exigência de ITBI com base em valor superior ao declarado, sem prévia instauração de processo administrativo, configura prática ilegal e passível de revisão judicial. A jurisprudência tem sido firme ao reconhecer o direito do contribuinte à devolução do valor pago a maior, quando o município desrespeita o devido processo legal.
Portanto, ações de recuperação tributária de ITBI são plenamente cabíveis nesses casos — sobretudo quando o município tenta justificar sua conduta somente após provocação judicial. O momento do processo administrativo não é uma formalidade: é uma garantia fundamental do contribuinte, prevista em lei e reconhecida pelos tribunais.
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